sexta-feira, 30 de abril de 2010

UNA GIORNATA PARTICOLARE (UM DIA MUITO ESPECIAL)





Um dia muito especial, do diretor italiano Ettore Scola, é um filme triste e singelo. A história se desenrola durante a visita de Hitler a Roma em 1938. A película narra o encontro de Antonietta, uma dona de casa que leva uma vida dedicada a sua família e menosprezada pelo seu marido, e Gabriele, um locutor de rádio que perdeu seu emprego por ser considerado subversivo. O encontro dos dois permite refletir um pouco sobre o autoritarismo difuso e cotidiano da Itália fascista. Mais do que retratar os efeitos macro-políticos do fascismo, as deportações e a formação de campos de concentração por exemplo, o filme centra sua narrativa naquelas ações e comportamentos mais triviais, porém não menos significativos. São os pequenos autoritarismos que surgem na trama: Antonietta, de um lado, vive com um marido que a trata como uma empregada, a despreza e não faz nenhum esforço para ocultar suas infidelidades; Gabriele, do outro, sofre pela sua opção sexual (é homossexual), vive de maneira clandestina e solitário. O filme desvela como esse ambiente machista e autoritário tornava possível uma paixão fervorosa pelos signos do fascismo e toda a comoção popular em torno disso. A força desse sentimento difuso chega aos mínimos detalhes, até mesmo a língua. Nesse sentido, há uma cena especialmente relevante. Em um determinado momento, Antonietta reprime Gabriele pelo fato deste tê-la chamado de maneira informal. Gabriele havia usado o pronome de tratamento Lei. Este pronome, no italiano, é equivalente ao ela e ao senhor/senhora. Porém, em 1938, o governo italiano proibiu a utilização deste pronome na função respeitosa, substituindo pelo Voi. Era necessário masculinizar até mesmo o pronome de tratamento, desligando o universo lingüístico de qualquer signo afeminado. O encontro dos dois personagens, ainda que envolto pela aura opressiva do regime, a começar pela transmissão onipresente do desfile militar que tomava conta da cidade, acaba sendo um momento raro, de escapatória desse ambiente autoritário. Rapidamente se estabelece uma relação de compaixão e compreensão mútua entre os personagens. Este relacionamento se torna um contraponto das relações sociais mais gerais, ou seja, sem hierarquias, sem comando, sem dominação, como é próprio ao campo da amizade. Esse encontro alegre ajuda a modificar os personagens, em especial Antonietta. Mesmo estando em uma posição marginal, era uma ardorosa cultuadora da imagem do Duce, mas, a partir do seu breve encontro com Gabriele, começa a se questionar da justiça dos valores de sua sociedade. A beleza do filme está, justamente, na singeleza desse encontro, algo tão pequeno mas cheio de força. Algo que mostra como a resistência ao fascismo, e o fascismo entendido aqui como algo muito maior do que o fenômeno histórico-político italiano, não é feita somente de grandes atos, mas na construção cotidiana de relacionamentos e ações desprovidas desses pequenos autoritarismos.





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